segunda-feira, 20 de abril de 2020

Até a poesia voltar



A poesia em mim parou
A poética do meu eu,
feita de esperança e força, brecou
Letárgicos estão os meus sentidos
Ao meu lado, todos gritam:
Vai ficar tudo bem!
Mas no país dos ansiolíticos,
O som deste acalento é de ilusão.
Eu sei.
Não irá ficar tudo bem.
Não agora.
Não sem luta.
É preciso lutar.
Ficar bem é conquista, não é dádiva.
Deus não vai dá.
Vitória não se dá.
Busca-se.
O movimento derruba a inércia
Os inimigos da poesia nos querem inertes
Estes mesmos: os algozes da vida
Os urubus encarniçados
Os cavernícolas, que não se tornaram humanos
Mataram suas próprias almas e se alimentam da morte
Perambulam, nem vivos , nem mortos
Parasitas da vida alheia
Desperdício de ossos, carne e sangue
É preciso derrotá-los.
Só assim, a vida volta.
A poesia volta.
Vencer a paralisia e trazer a vida de volta.

domingo, 20 de novembro de 2016

Para não embrutecer

Para não embrutecer

Para não embrutecer, quebro regras.
Os moldes são feitos para endurecer.
O concreto conserva a imagem,
mas perde o melhor do vento

Para não embrutecer,
amo além do permitido.
Amo pessoas plenas de mundo.
Simplesmente, amo.

Para não embrutecer, leio.
Leio poemas.
Leio a vida.
Leio você.

Para não embrutecer, faço luta política.
Mesmo perdida em minhas retóricas e ciladas.
Faço não por um ato de fé,
faço pelo existir de um mundo possível e melhor.
Por isso, nego e resisto a esta lógica masculina.
Aqui, competição é vício prático.
A transformação se torna sílabas repetidas.
Nesse mundo macho, tem política sem pessoas
e pessoas sem política.

Para não embrutecer,
reinvento meu olhar,
demasiadamente crítico.
Mas também autocrítico.
Assim, contradição é escada e não amarra.

Para não embrutecer,
busco pares e até impares,
pois não existe revolução individual.
Ele é sempre coletiva.
O melhor de mim tem no outro,
e o melhor do outro tem em mim.

A transformação é feminina.
É fêmea. É emotiva. É profunda.
A transformação é mulher.
É feita de nós. É feita por nós.

Ariely de Castro

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Apatia




A energia guardada
é a força da transformação aprisionada.
Há no vazio o espaço da permanência.
Acomodam-se ali tempo e vida.
Os corpos estão lá
mórbidos, mas vivos.
Eles esperam, esperam, esperam...
Das mudanças, eles não são parte.
Aliás, querem mudar, mas é tarefa do outro.
Afinal, a culpa é do outro.
Enquanto isso,
nasceram, cresceram, comeram e morreram
só não existiram, porque deu preguiça.
E, assim, segue o mundo dos moribundos,
desleixados com a vida.


segunda-feira, 13 de junho de 2016

Aqui


Deixa aí as exigência. Eu preciso respirar. Vejo fortalezas! E aqui? Fragilidade. Estou quieta. Quero imperfeição. Talvez, até humanidade. Cansei do sucesso. Erro. Fracasso. Sofro. Choro. Sinto. Me deixa aqui. Aqui? Onde? Dentro. Bem dentro. Sou mundo! Mas hoje: eu.

Feminismo, te conto em primeira pessoa.



Pensei muito antes de escrever este texto. Meu receio é de que eu desse margem a mais uma distorção sobre o que é o feminismo. Sem sombra de dúvidas, ser feminista significa fazer parte de um projeto coletivo. Mas também é um relato pessoal. Uma experiência vivida. Diga-se de passagem ele se explica todos os dias.

Como militantes somos , constantemente, questionadas que o feminismo pode se transformar numa espécie de política auto-ajuda. Pela perspectiva heteronormativa e masculina, qualquer entrada em algo próximo ao subjetivo é , por assim dizer, "perfumaria". Irrelevante aos temas de fato relevantes à transformação social.

Por óbvio, discordo disso. E, por assim ser, conto o feminismo também em primeira pessoa. Longe de estimular o egoísmo. Mas no mundo em que nos relegam ser o segundo sexo, ler o mundo a partir de si é um ato revolucionário.

Outro dia escutei uma amiga dizer: "falo do que é ser mãe, do que sinto pelo meu companheiro, de tantas outras coisas, mas é como se eu nunca falasse de mim."

Não faz nenhum sentido? Busca na memória as principais lideranças políticas . Quais vem a sua mente primeiro? Busca na memória os principais autores de qualquer gênero literário. Quais vem a sua mente primeiro? Quem são os grandes heróis da história? Quem somos nós ( mulheres) no mundo? Só existo para viver um "grande amor" e ter "filhos"? Só me realizo no outro? Desde meninas o nosso eu está condicionado a outro eu (no masculino).

Exagero em dizer que toda mulher sabe o sentido das palavras " dependência emocional"? E todo homem sabe o sentido da palavra "posse"? Essas perguntas  também cabem às relações homoafetivas, pois quando me refiro a mulheres e homens, considero papéis sociais distintos.

Posso concluir deixando apenas perguntas. Pois, assim como eu, qualquer mulher sabe o que é ser mulher. Embora, possa não concordar. Sentimos todo o dia o que é ser. Não nascemos mulher, nos tornamos. Sabemos de alguma forma que o político é pessoal e o pessoal é político. Confluente assim. É por isso que me conto em primeira pessoa. Me coloco diante do mundo. E me conto como uma feminista.

domingo, 5 de junho de 2016

Além dos trintas, além da cultura

                                           Além dos trintas, além da cultura.



              O número trinta ganhou um significado profundamente repulsivo, nesses últimos dias. E por mais repugnante que seja, foi real,  aproximadamente, trinta e três homens violentaram sexualmente uma menina de 16 anos, depois de ter sido dopada pelos mesmos. Dentre as várias definições dessa violência, somente uma a faz de forma categórica: ESTUPRO!

             Muitas pessoas estão chocadas com a crueldade do acontecimento. E não é para menos que estejamos assim. Lamentável é não estar todo mundo perplexo. Por isso, o humanamente esperado é que se tente compreender o porquê dessa barbárie. Mas, será que tem  explicação? A resposta é: sim, claro que tem! E o motivo é por hábito considerado como um não motivo, o que também se explica. Inventam mil e umas justificativas, até mesmo de responsabilizar a própria vítima pela violência sofrida. Mas, não há outra razão que não seja esta: MACHISMO!

              Se a intenção é entender "aquilo"( o estupro coletivo),  então, primeiro, precisamos não mascarar a realidade. Não foi por acaso, 33 homens cometeram um crime, sem a participação de nenhuma mulher. Isso mesmo, HOMENS. Não foi a raça humana (esse ente genérico). Não foi a bebida. Não foi uma roupa curta. Não foram monstros imaginários. Foram homens. E, nenhum deles se solidarizou ao ponto de interromper a violência. Nenhum! Ao contrário, riram, debocharam e compartilharam o estupro nas redes sociais. E adivinhem? Encontraram plateia, defensores e justificadores (cúmplices). Porque sim, qualquer tentativa de justificar essa violência culpabilizando a vítima, significa ser cúmplice dos violentadores.

             Na tentativa de ir além do sentimento de choque diante da barbárie, é necessário localizar que a violência contra mulher, inclusive o estupro, está situada dentro de uma definida estrutura social. Não é coincidência ou um mero fenômeno natural, o fato de ser a família o espaço onde mais se violentam mulheres.

Aquela afirmação não é uma mera opinião da autora deste texto, são dados que chegam a índices alcançados em guerras civis: no Brasil, de 2010 a 2013, 17.581 mulheres morreram vítimas de violência doméstica. Há estudos que indicam que, a cada uma hora e meia morre uma  mulher, em decorrência de agressões cometidas por familiares (principalmente os maridos e namorados). Esses dados indicam que a violência contra a mulher é endêmica, mas, sobretudo, sistêmica. Sem falar, nos outros números de violências psicológicas, sexuais e patrimoniais. Por isso, qualquer banalização do tema não ajuda e qualquer sensacionalismo, tão pouco.

A família tradicional é base do patriarcalismo e do capitalismo. Ela é um pilar de sustentação da atual sociedade que vivemos. Há profunda relação entre a dominação que a classe burguesa exercer contra a classe trabalhadora, com a dominação que os homens exercem contra as mulheres. É por isso que a opressão contra a mulher acompanha o movimento das classes sociais em luta. Quanto maior é o ataque da classe dominante contra a classe trabalhadora, maior é a força dos instrumentos de dominação contra a mulher.

Isso quer dizer que para haver uma cultura do estupro é preciso ter uma base concreta na sociedade que permita ela existir, essa base é patriarcado. É bom lembrar que o estupro, durante a Ditadura Burguesa Militar, foi uma política de estado no Brasil e na América Latina. Nas guerras o estupro faz parte da lógica de ataques dos soldados. Homens quando são presos, “transformam” outros homens presos em “mulheres” e os estupram. Por tanto, o estupro não tem nada a ver com sexo ou prazer. O estupro é um instrumento de poder, usado com o objetivo de submeter uma pessoa à outra pessoa, na esmagadora maioria das vezes, é instrumento de poder e violência usado pelos homens para submeter e agredir mulheres.

Aparentemente existe uma sensação que atualmente há mais casos de violência contra mulher, mas isso não é verdade, sempre existiu este tipo de violência, a diferença é que o seu conhecimento saiu em parte da esfera privada para se tornar um debate público, seja pelo advento da internet, seja pelos ainda tímidos avanços conquistados através de políticas públicas e legislações direcionadas à efetivação dos direitos das mulheres.   

O machismo, com todas as suas faces, é a expressão máxima da sociedade patriarcal, a cultura do estupro é mais um mecanismo desta estrutura social, altamente injusta. Não é por acaso que a agenda neoliberal de desmonte aos direitos trabalhistas, imposta pelo Governo Golpista Temer, veio acompanhada de uma agenda conservadora que ataca os direitos das mulheres. A exemplo da possibilidade de proibir o aborto em caso de estupro. Imagina a vítima do estupro coletivo ser obrigada a manter uma gravidez? Imagina!

Não é por acaso que o Golpe que atingiu a primeira mulher eleita presidenta, foi marcado por falas como a do crápula fascista, Jair Bolsonaro, que homenageou o estuprador e torturador de Dilma, o ditador Brilhante Ustra. Não há coincidência que com o aumento da crise capitalista a ameaça aos direitos das mulheres se tornou mais latente, inclusive o direito a vida, a dignidade da pessoa humana. Somente, outro projeto de sociedade que busque a libertação plena de todos os seres humanos, que combata todo e qualquer tipo de exploração será capaz de por fim em instrumentos de dominação como o estupro. Este deve ser combatido na sua manifestação cultural, mas, sobretudo, deve ser combatido na sua estrutura de sustentação, o patriarcado. O caminho da liberdade, da dignidade humana, da igualdade plena entre pessoas diferentes, não é se não o caminho para uma sociedade: FEMINISTA E SOCIALISTA!    

Ariely de Castro
Assistente Social, militante do PT/AE e feminista.
          


           
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